terça-feira, outubro 19, 2004

o acidente

foi só quando cheguei na sua casa depois de meses sem te ver e então encontrar você com roupas brancas, magra como um palito, o cabelo raspado e algumas cicatrizes que eu descobri sobre o acidente.
o choque foi grande, não tanto quanto o que você sentiu, não tanto quanto o que aconteceu de fato e que você - ainda bem - não lembra. o outro choque foi me ver toda triste querendo voltar pra você. Não tive coragem de falar sobre isso com você fragilizada, a cabeça caindo para o lado e os olhos querendo se fechar.
você falava sussurrando por causa da traqueostomia e eu te observava um pouco triste, certa de que a culpada daquilo era eu. fui embora da sua casa com aquela dor no peito, com aquela angústia, com aquela tristeza toda de ir sem dizer adeus e sem saber se um dia voltaria.

fox

sexta-feira, outubro 08, 2004

saboreando maiza

resolvi beber um pouco e no meio da bebedeira, aquela tonturinha gostosa, aquele cheiro de pinga achei que tinha te visto e começei a gritar seu nome. nem percebi que você dificilmente estaria ali naquela festa com aquelas pessoas, porque você sempre me disse que você não gostava delas e que elas me puxavam para um poço enorme e sem fundo de onde eu não sairia. também não me dei conta de que as palavras saíam arrastadas da minha boca e que ninguém deveria entender o que eu estava falando.
então sonhei que um dia éramos você e eu numa casa grande e que às vezes você se trancava no banheiro ou na sala ou no quarto e batia fotos de si mesma. depois nos despíamos e nos amávamos sem pudor suando pela casa toda, mas devagar, como se fôssemos bonecas de porcelana e assim mesmo bonecas nos olhávamos como se víssemos as entranhas uma da outra, como se fôssemos uma o reflexo da outra. Foi quando eu acordei já na cama, a dor de cabeça forte e não era você ao meu lado, mas uma mulher que me olhava há horas, parecia, estava de pé, nua, segurando um cigarro e uma flor vermelha em uma mão, um guarda-chuva xadrez na outra.

fox

quarta-feira, outubro 06, 2004

capa de revista

vi seu sorriso pela primeira vez na capa da revista. era um sorriso forçado, de anfetamina, porém bonito. depois resolvi te ligar, não me pergunte como consegui seu número nem seu endereço ou terei que confessar que eu te seguia pelas ruas ouvindo sua voz e me apaixonando ainda mais por você e você por sua vez não acreditaria ou ainda me acharia uma louca por fazer isto.
você disse alô e eu fiz charme, você acabou saindo comigo e eu te dei um bolo. liguei de novo e te dei a chance de me encontrar e foi você quem me passou a perna. por fim, nos encontramos em um ambiente requintado qualquer. não tirava os olhos de você e aos poucos ia percebendo que você também não tirava os olhos de mim. foi quando te convidei para tomar um drink no meu apartamento. talvez você já estivesse bêbada ou enfeitiçada, mas você aceitou e por dentro eu pulava de alegria de te ver em casa. seu sorriso agora não era mais o da garota da capa, e sim o de uma mulher que maravilhosamente dormia ao meu lado.

fox.

terça-feira, outubro 05, 2004

você está tão longe, faz tanto tempo e às vezes me pergunta sobre as mudanças que vêm acontecendo comigo. não sei responder e você não quer ser mais pontual porque também não sabe fazer isso sem que as impressões que você têm das minhas mudanças pareçam horríveis.
agora, anos e anos depois tenho vontade de te ver e te dar beijos e abraços, tenho vontade de ouvir sua voz e voltar no tempo e dizer sim ao invés de não que eu não consegui porque tinha medo.
hoje acendo cigarros e às vezes acho que não deveria te dizer isso porque isso te dá medo, e também não deveria dizer que já fiquei triste várias vezes na vida, deprimida e gorda apesar de agora estar bem, assim como não deveria dizer que fiquei um tempo sentindo algo por você que eu não deveria sentir pois eu deveria esconder o que sinto depois de ter feito o que eu fiz.
o que eu desejo agora - e agora eu sei - é ter você em meus braços, toda louca e meiga como você é, toda minha, toda sua, toda nova para sempre.

fox.

segunda-feira, outubro 04, 2004

o encontro

fumei três cigarros antes de você chegar e fiquei te olhando muito. vacilava porque queria que você se parecesse comigo. pensei em anotar as coisas que eu via em você.
mexia no cabelo para tirar a franja do olho; sempre arranjava alguma coisa para fazer enquanto esperava como anotar coisas na agenda ou ajeitar a roupa; olhava seu reflexo no espelho, fingia não estar esperando ninguém, o que dava para perceber pelo leve sorriso no rosto e pela calma aparente.
fiquei constrangida ao perceber que você estava indo embora e ficaria com raiva de mim. amanhã vou te escrever e dizer que te achei linda e que gostei do formato do seu lábio e desses olhos atentos que me penetrariam toda se eu tivesse sentado na mesa ao seu lado.

fox.

sábado, outubro 02, 2004

pelas ruas

hoje me entreguei às sensações enquanto sozinha caminhava pela estrada. o vento leve batendo no rosto, as cores se mexendo rápido, os gritos das pessoas, das buzinas, dos carros de propaganda política. lembrava-me da difícil arte de parecer viva enquanto morro aos poucos. todos morrem. às vezes me sentia cansada por caminhar tanto sem saber para onde. não importa. vivia a minha vida eu mesma enquanto andava e a procura pelas coisas, pelo caminho certo é a única coisa que se faz nessa lenta morte que é a vida. olhava fotografias que não tirei, ouvia músicas que nunca serão ouvidas novamente, porque era apenas meu pensamento se divertindo na rua entupida de carro e fumaça e areia e pó.
...
depois eu encontrei um ponto de ônibus e resolvi sentar, certa de que acenaria o braço para o primeiro veículo que aparecesse. e aqui estou eternamente por enquanto.

fox.

sexta-feira, outubro 01, 2004

O enigma

Primeiro, o olhar. Te ver assim, de vez em quando caminhando pelas ruas, os olhos claros de um verde-mar, sem sorrisos, toda séria.
Aonde vais? O que fazes? Não sei, mas pensar sobre isso, sobre os lugares que você vai, as coisas que você procura significam aos poucos que roubas meu tempo sem saber. Você é para mim um enigma.
Depois, te decifrar. Difícil essa parte, pois te decifro sem conhecer, sem nem mesmo entender os meus por quês, o que me leva a pensar que ao fazer isso também estou me dedcifrando e é bonito esse pensamento: "ao te decifrar, me decifro", ao te entender me entendo, ao te conhecer me conheço e isso me faz gostar de você sem sequer ter ouvido uma palavra ou um som que saísse da tua boca.

fox.