terça-feira, junho 27, 2006

momentosurdomudo

escuto o silêncio chegar. minhas mãos paralizam. prendo a respiração com medo de que ele vá embora, depois respiro novamente com bastante cuidado.
debaixo das cobertas, procuro fechar os olhos e ouvi-lo enquanto estala os vincos de madeira da casa (o silêncio também se espanta constrangido quando não é discreto). ele se alastra no ambiente abafando o som, mas mesmo o silêncio não é pleno em si.
de vez enquando a vizinha, não o percebendo, descreve trajetórias do seu quarto à cozinha e o silêncio se retrai, porque nem sempre é agradável ver seu oposto tão de perto. a sensação de ausência de si-mesmo pode ser terrível nesses momentos.
tem um ponto em que o silêncio descansa. o alívio do silêncio é seguido apenas pelo som agudo da terra girando. existe sempre de um determinado momento, até os milissegundos que antecedem nossa percepção.

terça-feira, junho 13, 2006

o presente

ali, dentro desses espaços, existe agora um vazio. deslizo perdido entre os embrulhos de cetim e procuro preenchê-los.
a questão é: não vejo, não escuto nada. apenas sinto. o quê? vontade de mergulhar - ou alçar vôo - em direção ao vazio inerte. também sinto medo de desaparecer, de ficar imperceptível entre um vazio e outro.

fácil seria saltar, mesmo sem saber o que me esperaria lá, seja lá onde "lá" fosse. questão de um segundo entre a contração, a impulsão e do vôo - ou mergulho.
difícil é prever onde vou parar depois do pulo. a dor da queda após uma jornada de vôo é incalculável.
desejo que o pulo seja sutil e que a gravidade apare a queda.

o pulo: te amo.

domingo, junho 11, 2006

- Cat Powers, Yo la Tengo, Sigur rós tocando repetidamente. O que estou fazendo?
- preparo minha solução de desespero e morte. uma transformação talvez. um jeito de não perder minha sensibilidade. de não ceder às intenções das pessoas que amo.
- As de domesticar-me a não sentir - o que é como um muro branco erguido à minha volta.


preciso, tijolo por tijolo, decompor o muro. não nada será construído no lugar, porque a visão do nada é ainda mais interessante que.

domingo, junho 04, 2006

Ponto final

quando você entende que tem coisas que são sempre iguais, quando você distingue os momentos que deveriam ter uma segunda chance daqueles que terão para sempre, por conseqüência lógica, circularidade com tendência ao desastre.

quando o azul escurece as nuvens
ao desabotoar a blusa de alguém na noite fria
ao furar com o dedo um bolo úmido de recheio
ao abotoar a própria blusa no segundo depois do dia

ao fechar a porta

quinta-feira, junho 01, 2006

cacos e estilhaços

para manoel ricardo de lima

voltei de ressaca na chuva, pois tinha tomado conhaque e cerveja demais. não sei as horas, não sei o dia. cheirava mal e imaginava a casa no infinito. não chegaria nunca?
quando criança, sempre tinha alguém para me levar pra casa, tinha o cheiro do feijão que era uma mágica da minha avó. agora tinha a dor de cabeça, o cansaço e a chuva fina - interferências no meu sutil processo de solidão.
ah, e tinha o frio. não aquele frio insuportável, mas o que me faz imaginar o momento exato da chegada: abrir a porta, me aquecer, jogar sapatos e roupas nos cantos do meu quarto, afundar num mar de sonhos. só. completamente cercado por paredes que não vejo no escuro.