sábado, fevereiro 24, 2007

olha, desculpe... te acordei? não? mesmo assim, desculpe mesmo, é que eu sou muito atrapalhado, vivo derrubando, esbarrando, caindo quebrando tudo. mas, sabe, no geral as coisas sempre tem um concerto, sempre tem um jeito, não é? escuta, desculpe se atrapalhei. se machucou? não tenho mesmo senso de direção. sabe labirintite? às vezes acho que tenho. olha, seu dedo tá sangrando? eu tenho aqui uns... tá, se não precisa, não precisa, né? desculpe mesmo te acordar. boa noite.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

insetos II

é noite e faz calor. você não parece perceber que os insetos desenham uma espiral em torno da lâmpada amarela. você não parece entender meu desconforto quando os insetos no seu descontrole suicidam-se no corpo brilhoso de suor. é, você vive em um outro tempo e não se importa muito com essas coisas. você chama esse inseticídio, essa festa funesta de essas coisas. mas é que. e não consigo reproduzir mais nada com a voz ou com o corpo porque no fundo você está certa. você está sempre certa quando veste esses insetos todos com naturalidade, como se realmente fosse natural a um inseto morrer de tanto espancar uma lâmpada ou mergulhar de cabeça no nosso corpo úmido.
talvez.
talvez.
talvez você seja muito estúpida.
ou esquisita.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

é mesmo, srta s.f. você é charmosa, tem um sorriso lindo e eu atravessei a cidade para te conhecer um pouco. não fumei nenhum cigarro porque eu não tinha. mas fiquei ali, observando os seus olhos que pareciam me ouvir. nós caminhamos muito, não é mesmo? e para onde fomos? você deve ter se perguntado o que eu fazia ali, mas você já sabia a resposta. e deve ter se perguntado porque tudo não acabou com um beijo e eu não sei responder. mas sei perguntar pra mim mesmo o que aconteceu.
você tem um ar doce, embora queira ser adulta antes do tempo. não deverias apressar as coisas. nossa jovialidade é uma virtude e devemos aproveitá-la. somos mais ingênuos do que queríamos, mais inocentes do que imaginamos e, às vezes queremos dar um passo do tamanho de uma girafa. eu penso assim, nessas coisas como girafa, que tem umas anteninhas malucas e provavelmente pensei em girafa durante nossa conversa.
sim, eu acho que sim. principalmente porque depois eu vi minha árvore e ela estava para o lado oposto ao que eu tinha te falado. já imaginou? onde iríamos se você estivesse motivada a ver a minha árvore? ela estava perto de outra praça e o relógio marcava 00:35. pensei que poderia marcar um encontro naquele lugar, naquela praça e dizer "é fácil, você vai chegar numa praça e vai ver um relógio marcando 00:35" porque é esse horário que você vai chegar.
sim srta, penso em você. me pego pensando em você e às vezes me dá um frio na barriga imaginar que eu faço isso e que só agora, atravessando a cidade, pude ter uma vaga idéia de quem você seja.
é como se para mim até aquele momento você não fosse exatamente, apenas minha mente imaginava o que..
agora você é.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

insetos - parte I

festejando com os restos!
embora esse texto fosse feito no ano passado, rende-se uma homenagem a um novo blog.

após o ranger da porta, a barata tomou susto. o vôo da barata é sempre um desengonço. ela ensaiou uma fuga e acabou pousando de bunda no rosto do menino apavorado. as baratas não medem proporções. medem passos e tremores na terra. já os meninos medem o apavoro. o grito irritou os vizinhos, que fecharam rápido as janelas e as portas. os pais do garoto não ouviram nada. estavam sendo. mesmo do porão se ouvia o contínuo choramingar do menino que esmagou a barata na parede e agora se coçava com as mão sujas dos restos daquele ser.
estava besuntado de barata.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

vômito de restos de eu

eu mastigado e regurgitado
e você acha que pode me entender com fragmentos de coisas que você sabe sobre mim. não que você esteja errada. o todo e a parte, a parte e o todo bababá, tudo isso soa particularmente concreto e familiar. só que eu não sei se você sabe, mas sou um pouco mais que isso. talvez porque sua mente não acompanhe tudo o que eu te digo. talvez haja problema de interpretação cósmica e tudo isso que é cósmico e energias e abstrações pode ser mal interpretado, ou você pode usar isso da maneira que lhe convier.
e você acha lindo o cara dançar na chuva naquele filme logo depois de dar um beijo na sua amada e nem percebe que eu e alguns outros não precisamos de beijo para dançar na chuva e encarar guardas mal-humorados. talvez você não tenha como imaginar o que aconteceria se a gente estivesse tomado por um beijo, sentido aquela mesma paixão do mocinho da tevê.
e você acha péssimo o meu mau-humor e quer me consertar e eu tento te dizer que eu só preciso de um tempo, de um respiro, porque talvez você e todo mundo esteja me sufocando especulando alarmando tudo o que sou sem saber que não quero saber o que vocês pensam que eu sou e nem quero saber o que eu sou de verdade já que o melhor pra mim, pra você e pra todo mundo é que se descubra sozinho quem se é, do que se gosta, assim como descobri sozinho a fumar, a beber, a cheirar pó, a trepar... sim! eu trepo também e sei que você e todo mundo trepa, mas se a gente fala que trepa parece que somos uns monstros, que parecemos uns animais mas trepar é assim: um ato animal formidável para descontrair, liberar energia, gastar calor e se deliciar.
é, você acha que eu leio muito e por isso sou muito inteligente e sensível, você acaba cobrando de mim essa sensibilidade, condenando meus momentos mais racionais, mas esquece que sensibilidade e racionalidade podem andar juntas e que uma coisa e outra coisa e tudo o que acontece ao redor dessas coisas pode conviver conjuntamente já que todo mundo se contradiz e eu só quero não ter que explicar o que eu não sei. você me define, eu não ligo, mas sei que no momento em que você disse o que eu sou, você está errada, porque sempre serei isto e muito mais, serei isto e seu oposto, serei isto e tudo o que ele carrega contra e a favor.
uma palavra não é só uma palavra. um ser não é só um ser, muito menos sua definição. somos todos o que nós somos e não sabemos, embora sejamos também todas as coisas pelas quais somos definidos. é difícil ser. por isso é difícil definir-se um ser.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

madrugada

sinto-me sujo, talvez porque hoje tenha vivido um dia sujo ou algo assim. um cheiro azedo de sabonete entre as unhas, uma sensação desagradável de estar vestindo uma camiseta encardida. tanto desconforto junto poderia resultar em tragédia. ou em mal humor.
ao invés disso, corro à sacada nesta manhã mal-começada e ouço através do silêncio. qualquer barulho nesse horário, nessa cidade, é um pouco assutador. uma laranja despenca do pé e imagina-se uma pessoa pulando o muro da casa. o som das gotas caindo das folhas, o vento, tudo indica intenso movimento na madrugada.
o rio fica aqui perto e é silencioso como o veludo. é como se, na madrugada, tudo estivesse invertido menos o apito do vigia rondando de bicicleta - o apitar do guarda é o único movimento mais ou menos sensato de tubarão às 4 da manhã.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

era um eu triste ali sentado no banco do jardim, entre crianças e balanços coloridos, entre risadas e folhas ao vento.
o olhar estava perdido perto de um antigo portão que o mundo esqueceu. no chão, um par de sapatos pequenos e um copo azul, desses com canudinho embutido. lembrança de um momento triste e solitário vivido por uma criança há dois minutos.
deixe-me explicar melhor: é muito triste, sabe, quando uma imagem torna-se sacra. foi sacra a fenda que se abriu naquele momento entre o portão, os sapatos e o copo de uma criança ausente.
então você chega. sei que você chega porque você canta uma canção - a sua canção - e senta-se ao meu lado, não muito perto. só o suficiente para eu te sentir, sentir o teu calor, a tua energia.
depois, sai em direção às crianças e me deixa um pouco desconcertado - não por causa da sua saída, ou melhor, também por causa da sua saída mas principalmente pelo que aconteceu depois.
existiu no depois um abismo e não entendi mais minha tristeza. demorou um tempo para eu entender que aquele eu triste tinha ido embora para dar lugar a um outro, no momento, desconhecido.