segunda-feira, abril 25, 2005

esses dias estranhos

lembranças latejantes quase nunca adormecidas
cigarros no bolso, dinheiro no bolso, chaves, isqueiro, calçada.
o ônibus está demorando e eu sinto minhas costas doerem. às vezes teço palavras bonitas em pensamento. alguém passa andando com olhar vago ao longe e penso que é você.
no meu quarto tem seu cheiro, uma pedra e uns escritos que eu guardo com certo carinho dolorido. alguém me disse que você é bonita, mas disso eu já sabia. aliás, só você se desconfia.
hoje eu corri muito. fiquei cansada de propósito, pois ajuda a passar o tempo. é isso que estou fazendo: passando um tempo. não me arrependo, pois é até um pouco esnobe fazer isso nesses dias estranhos.
falta pouco pro meu aniversário e não sei se você sabe. você está tão longe e nem imagino se você me escuta. nem sei se vale a pena gritar. ouvi falar que o médico que te levou embora. não sei se sinto culpa ou se imagino que fiz o que podia, já que era jovem. em épocas como essa, sempre me lembro de você, das pilhas de carta que recebi durante o tempo em que estávamos juntas, do telegrama que uma vez você me mandou para me parabenizar.
em dias assim eu lavo meu rosto devagar, olhando bem para meus olhos. molho meu cabelo e me lembro tímida com 14 anos ouvindo beatles na sua casa.
tem uma rosa. eu a guardei e fui até a sua casa - a primeira vez que eu passei por ela. tive um frio na barriga tão grande quando fui bater à sua porta. devo ter pensado que era ridículo, piegas essa decisão de chegar lá com um presente tão comum. acabei plantando ela no seu terraço e indo embora quase fugida. o que eu não sabia era que você tinha me visto.
agora eu espero ônibus e você tira fotos como cindy sherman. vai publicar seu livro de fotografias num lugar distante e, como sempre, vai brilhar muito, ganhar prêmios e viver contente. eu sou feliz por isso. sou feliz por saber que você lembra de mim durante seus dias quentes, que lembra de sua primeira platonice - aquela que me faz saber que valeu a pena estar aqui, nesse momento com cigarro, isqueiro, chaves, dinheiro, esperando, porque de vez em quando eu vejo uma garota desengonçada, ou uma mulher com olhar certeiro, ou ainda uma cindy sherman e posso me lembrar de você.
fox

terça-feira, abril 19, 2005

dias ébrios na escuridão do lugar sem-fim

minha vida é assim: tem coisas que são complicadas, tem coisas simples que parecem complicadas e tem coisas nela que são complicadíssimas. deslocar-me de um lugar a outro pode ser um trabalho difícil quando estou dispersa. comer, dormir, sonhar e lembrar dos sonhos são as coisas que eu gosto de fazer e ultimamente nem sempre consigo desempenhá-las.
acho que sou um pouco mais fechada do que eu imaginava. acho que as pessoas temem a proximidade porque eu sou estranha demais. não falo coisa com coisa a não ser que a conversa seja séria. no entanto, ninguém no mundo gosta de conversar sobre coisas sérias.
tenho amigos que são um câncer e ando pelo mundo sem rumo. já me importei com isso uma vez, agora não me interessa. passeio na escuridão que eu criei sem querer bem devagar, apreciando - não como um deleite, e sim, como um fato e como um mal necessário.
hoje eu tenho uma galinha sem nome que foi comprada no mercado público. além de piar e ciscar, ela defeca nos lugares errados e olha espantada para tudo. é um bicho de estimação estranho de se ter porque galinha vive correndo da gente.
tenho um dedo quebrado que nunca voltará a se mexer como antes. fui atropelada e aprendi que as deformações que aos poucos meu corpo vai ganhando se transformam em pequenos atrativos, em cacuetes. minhas limitações são beleza aos olhos das princesas que ousam me conquistar.
tenho uma família estranha, não pelo fato de seus hábitos serem esquisitos, mas porque não os conheço. são estrangeiros ou alienígenas. tenho alguém com quem às vezes eu posso sentir prazer, mas é uma dor o fim do mundo que acontece depois.
tenho uma lista de coisas divididas em duas colunas entituladas"o que eu quero" e "o que eu preciso". acordo sorrindo até a hora em que lembro que alguma coisa aconteceu, até a hora que eu vejo minhas cicatrizes e me deparo com meus pedaços no espelho.

sou fox, estranhamente reconhecendo o cheiro da carniça de um animal que eu matei e fiz questão de não enterrar direito. nos dias quentes, o fedor cresce e nem por isso deixo de andar pelos mesmos lugares e sentir as náuseas atacando o meu corpo. sou fox, sou forte como aço temperado e não me quebro. derretam-me, seres estranhos que me invejam e me desolam. então tomo nova forma e continuo, devagar, apreciando a minha vida escura.

fox