quinta-feira, março 31, 2005

o vazio que todos deve conhecer

estou só. não porque as pessoas estejam longe, ou porque não gostem de mim: tenho índole doentia e me afastei de vocês.
e ninguém tem coragem de ver um garoto apodrecer mesmo que por culpa própria.

terça-feira, março 29, 2005

andando pelas ruas, o joelho doendo depois daquela trombada no muro, ele procura se encontrar. de vez em quando fuma um cigarro, de vez em quando conversa com alguém, mesmo que essas coisas não tenham sentido para ele. para ele as coisas pararam de ter sentido no dia em que ela se foi. para ele a vida é um enigma que não sabe se vai ou se quer desvendar.
um dia ele ouviu uma conversa num desses botecos de fim de tarde e descobriu que deveria estar preparado para tudo. talvez por não ter noção do que poderia ser tudo, talvez por simplesmente ser difícil organizar na sua cabeça tudo o que iria precisar para estar preparado, nunca esteve assim. mais uma vez não fazia sentido ele estar ali sentado ouvindo conversas, nem fazia muito sentido aquela menina da outra mesa lhe fulminar com um sorriso, nem faria sentido pagar a conta e ir pra casa, ou dormir na rua, ou ainda ir para uma praia qualquer esperar a chuva ou o-que-quer-que-fosse.
perturbado ou não, ouvia às vezes uma voz que dizia que ele deveria lutar. lutar contra o quê? para quê? lutar não seria um ato último de desespero? talvez estivesse em desespero e talvez Téo soubesse o que estava dizendo antes de morrer enclausurado em si mesmo.
"você é forte, cara! e adorável." por que? "porque você não pensa em vingança. nem em se fechar para o mundo. você se entrega a ele". isso não foi Téo quem disse, foi alguém em quem ele confia. no entanto ele queria poder não fazer isso, não se entregar nunca de maneira alguma a outra pessoa está dentro desse pacote chamado estar-preparado-pra-tudo.
estaria ele preparado para uma vida-sem-sentido? estaria preparado para morrer? quem é esse garoto que olha fundo nos meus olhos agora, como se eu devesse a ele essas explicações? como dar à vida dele algum sentido se nem mesmo encontro sentido para a minha? "é preciso força", garoto, "prá sonhar e perceber que a estrada vai além do que se vê". nunca tente esquecer, mas as lembranças não podem te assombrar. nas noites de insônia conte histórias para você, não como essas que eu ando contando, mas procure a sua história, pois nela estará um pouco do sentido que você procura.

quarta-feira, março 09, 2005

oi oi oi... que é que a velha árvore tem pra me dizer hoje? ela se diz sábia. a gente normalmente acredita nisso por causa dos estereótipos, tipo, toda árvore velha é sábia. é porque não sabem que árvore é como nós: vai envelhecendo, ficando meio gagá, encurtando mesmo a memória e repetindo que nem vitrola arranhada tudo o que já disse.
por outro lado, quanto mais velha uma árvore fica, mais linda, e era embaixo dela que eu e paula conversávamos coisas de bem querer. a árvore sorria um sorriso gostoso pra gente e era carregada de florezinhas amarelas. às vezes ela ria tão alto que sua copa lançava as folhas e as flores na gente. paula fazia festa com as flores na minha orelha. ela tinha um sorriso de abóbora que era engraçado. às vezes a árvore se intrometia nos nossos assuntos. paula dissimulava. se a árvore perguntava "quem foi?", paula já ia apontando pra mim com cara de brava "foi ela, foi ela, árvore" - dizia - "pega ela, vai!". Aí a arvore se abria toda e levantava um pouco suas raízes no ar.
Tínhamos preguiça as três. a árvore ainda tinha a desculpa de estar colada na terra, mas o que dizer de paula ou de mim? Chegamos um pouco depois do almoço naquela pequena floresta porque estávamos cansados e havíamos comido muito. comer muito dá sono, dá preguiça. resolvemos deitar e conhecemos a árvore, que se ofereceu para fazer sombra pra gente. paula riu abóbora e disse sim. não saímos mais. a tarde está indo, o sol já brilha. hora mágica, quando paula me olha mais séria e fica coladinha no meu pescoço. a árvore já estava dispensada do seu encargo de nos fazer sombra. agora estava com a gente apenas porque sim, nos envolvendo em longas histórias, nos alegrando com seu meigo jeito de nos ninar.
O sol se foi, a lua nasceu. não, por enquanto não sairíamos daquela grama gostosa, não deixaríamos de ouvir a musiquinha bonita que a árvore fazia, balançando suas folhas ao vento. não deixaríamos de nos olhar na luz de prata e sorrir uma para a outra. naquele momento, passaríamos a eternidade metamorfoseadas em lindas borboletas noturnas voando em torno da velha árvore, ouvindo suas histórias repetidas e gostosas contadas na voz rude que ela tem.

fox